Eu pensei muitas vezes em como seria quando isso acontecesse. Preferiria estar usando óculos escuros e com pressa, certamente em movimento, e não estatelada, em dúvida, parada na porta da farmácia.
Eu sempre saio de casa achando que esqueci alguma coisa. O fogo ligado. O ferro na tomada. Me pego pensando que por um descuido posso botar tudo a perder.
Tão fatalista que esqueço do corriqueiro. Troquei de bolsa e a carteira ficou dentro da pochete.
Esse foi o primeiro dos movimentos confusos que me levaram até aquela farmácia que evitei entrar durante meses.
Sabe, depois que fiquei loira, passei a brincar que sou a Carrie Bradshaw - escritora e um tanto delusional - da Tijuca - e, logo, sapatão. De fato, nós duas nos encontrando sem querer na Crystal poderia ser uma cena de série estadunidense.
O episódio poderia começar acompanhando em paralelo as duas manhãs de domingo, os diferentes caminhos que nos levaram até esse acidente. Nossos novos cabelos seriam um detalhe acertado da direção de arte: o tempo passou, elas são novas pessoas agora.
Novas pessoas na mesma farmácia em que há um ano compravam juntas chocolates, remédios, absorventes, chicletes.
Mas nas séries os reencontros significam algo. Esse é, afinal, o ponto de uma cena: demonstrar um movimento.
O que se espera de uma cena é que a personagem vá de um lugar - ou de um sentimento -para outro.
Pelo menos esse é o ponto de um tipo de cena, de uma certa compreensão de narrativa.
Em Sex and the City, os exs estão sempre voltando. Deve ser porque não é tão fácil contratar novos atores, criar um personagem do nada e introduzi-lo na trama. É mais cômodo rebobinar a mesma história. Trazer de volta aquele boy lixo que as espectadoras adoram detestar ou o bonzinho que todo mundo torce para dar certo, apesar da protagonista sempre estragar tudo.
Os reencontros, então, anunciam uma carga dramática. Você sabe que algo está prestes a acontecer.
Mas lá vem o anticlímax: A vida não é filme, você não entendeu.
Vou ouvir Adriana Calcanhoto cantar quantas vezes for preciso.
Na realidade não tem tanto espaço para os superlativos. Nós duas ali em uma manhã de domingo é só meio esquisito.
Para uma coincidência ganhar significado é preciso que algo aconteça em seguida. É um gesto de escolha que liga os pontos. É o desejo que faz com que a gente insista em traçar sentidos.
Todo o resto é a vida acontecendo fora do nosso controle.
Talvez esse seja o movimento: sair de cena.
Deixar para trás esse cenário, conformada com a falta de sentidos. Sem levar nada, além de dois trentos.
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