Quando meu ônibus começa a deixar a Novo Rio me pego pensando que essa é uma diferença entre nós.
Meu pai não gosta de viajar. Na verdade, ele só não vê sentido em ir para lugares novos. A única viagem que ele acha que vale a pena é para Cabo-Frio. Porque não tem praia como aquela.
Querer o desconhecido, isso é coisa minha.
Com 21 anos, juntei meu dinheiro e fui sozinha para Buenos Aires.
Meu pai achou um absurdo. O que eu queria fazer lá sem ninguém? Não era perigoso? Como eu poderia ir até outro país assim?
Para ele, era chocante que eu tivesse esse desejo e tão pouco medo.
Já ouvi algumas vezes ele me chamar de corajosa. Nem sempre parece ser uma coisa boa.
Essa foi a primeira de algumas viagens sozinha.
Eu nem sabia muito bem porque queria ir até Buenos Aires. Só precisava muito de um território novo.
Aos 21 anos eu estava deprimida. E achava que aquela tristeza, aquele vazio, nunca ia sair de mim.
Ir até outro lugar me fez perceber que a vida era grande. Que talvez não fosse só eu, mas também o lugar onde estava.
Andando sozinha naquelas ruas estranhas, me virando, descobrindo o que eu queria de fato fazer ali (além de ver a cidade do Cortázar), me sentia alegre. O mundo parecia tão bonito e cheio de possibilidades.
Comecei a confiar que um dia aquela tristeza poderia ir embora.
Deu trabalho, mas depois de um tempo eu nunca mais senti aquele vazio de novo. Não daquela forma.
Hoje eu acho que saber me movimentar é um sinal de saúde.
Reconheço que estou chegando em um estado alarmante quando as escolhas que precedem os movimentos se tornam insustentáveis para mim.
Aprendi com meu pai a mapear bem os riscos, às vezes, excessivamente.
Quando essas fronteiras se borram e tudo parece perigoso demais, sei que estou desconectada de mim mesma, do meu juízo de valores, da minha possibilidade de fruir e sentir prazer.
Quando viajo sozinha me sinto voltando a esse vértice, uma escolha entre a coragem e o controle, a expansão e o esconderijo.
Toda vez que chego e vou embora de um lugar desconhecido sinto um gosto de vitória. É difícil, me exige sempre uma manutenção da minha ansiedade, mas, ao fim, faz com que eu me veja como alguém capaz de confiar nos seus próprios pés, nas suas próprias escolhas.
A caminho de São Paulo para lançar meu livro novo, Expansão Marítima não consigo não sentir como essa vitória é ambígua, densa, viva.
Poder sonhar com o que ainda não é conhecido ou sequer existe não deveria ser, mas é, sim, um privilégio.
Dentro do que me cabe, tento cuidar desse poder. Porque sei que ainda estou aprendendo a pegar gosto, sei o quanto esse privilégio é inédito na história da minha família.
Se é tão difícil ser uma pioneira, me mantenho atenta para não perder a chance de saborear a cada vez que uma fronteira é expandida.
Porque se a vitória é ambígua, eu não posso abrir mão de desfrutá-la, de aproveitar o que é bom nesse passo ao desconhecido.
Só eu sei e posso celebrar quais são essas vitórias. Mesmo que isso, para alguns, seja tão banal quanto uma viagem de ônibus dentro do seu território nacional ou lançar um livro em São Paulo.
Expansão tour: Belo Horizonte, estou chegando!
Escrevi o texto dessa edição no caminho para a 2º parada da Tour de lançamento do Expansão Marítima mas venho convidar vocês para a nossa 3º parada em Belo Horizonte!
No sábado 06 de julho a partir das 11 horas estarei junto com Flávia Péret e Laura Cohen na livraria Jenipapo para conversar sobre o processo de escrita do Expansão Marítima 🌊
Vou ficar feliz demais de encontrar de leitores mineiros da Trajetos de Escrita por lá 🤍 vem, gente!
Além do lançamento, vou mediar a oficina criativa Escutar o infantil, escrever a infância no Estratégias Narrativas nos dias 03, 04 e 05 de julho das 19h às 21h.
Essa é uma oficina que criei a partir da escrita e pesquisa do Expansão Marítima e que tem como proposta investigar como as marcas da infância aparecem na escrita.
Assim, vamos ler autores como Annie Ernaux, Heleine Fernandes, Tatiana Pequeno, Paul B. Preciado, Floresta, Leíner Hoki, Estela Rosa, Calila Das Mercês, entre outres. Ao fim de cada encontro será proposto um exercício de escrita criativa a ser partilhado entre participantes.
Vem escrever comigo em BH? Para participar da oficina é só se inscrever pelo link do Formulário de Inscrição:
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfZJSwhVshlI9xTJ7xeBTiqfT6nE71j7s1y5lGq2AffMr9V2w/viewform?usp=send_form
Espero vocês pra dividir um pão de queijo e boas conversas!
Compartilho dessa sensação de amar os trajetos desconhecidos. O caminho é tão maravilhoso quanto o destino.
É tanto...Amar o desconhecido e ser a primeira a caminhar nele!