Ao longo de 2023 uma sensação recorrente me acompanhou: Parece que estou voltando para buscar o que é meu.
Nem sei ao certo se “voltar” é o melhor termo, porque, na verdade, inaugurei muita coisa este ano, desde novos espaços até mudanças mais subjetivas.
Mas uso “voltar” porque existe um ponto de referência. É que talvez 2023 tenha sido, para mim, o ano em que quase deu para esquecer um pouco da pandemia.
De novo, não é bem isso, porque a lembrança esteve sempre por perto ainda que em um lugar de comparação e, portanto, de distância.
Talvez seja isso: Em 2023, consegui traçar uma distância entre quem eu sou agora e quem eu fui durante os anos um tanto embaçados de pandemia.
Traçar essa distância significou lembrar de quem eu fui, de quais eram os meus sonhos, onde é que eu queria chegar, como era o futuro que uma Taís antes da Covid-19 imaginava.
Não posso ser injusta. Acho que, diante de uma conjuntura tão brutal, eu fui bastante protegida e privilegiada. Vivi momentos importantes, e muito bonitos, no meio desses anos assustadores em que a vida pareceu suspensa. Mas nada disso veio sem um fundo traumático.
Quando a pandemia interrompeu a normalidade, abri mão de um tanto de coisas, outras eu insisti para não perder. Fiz escolhas mesmo em um período de agência limitada. Fui tateando algum caminho que pudesse me levar por onde se parecia mais ou menos com o que eu queria enquanto o futuro era um verdadeiro abismo.
Levou um tempo até eu conseguir olhar esses passos como escolhas e entender o que dali ainda faz sentido, o que quero levar para mim e o que foi só o que dava para fazer. Levou ainda mais tempo para eu me perdoar pelo que perdi e olhar com um pouco mais de alegria para o que a vida se tornou, para quem eu me tornei depois disso.
Com algumas dessas feridas mais próximas de fechar, em 2023, eu me vi com espaço para desejar. Sofri crises de desejo, me vi querendo muito de um jeito quase angustiante. E desejando pude também voltar para sensações, sonhos e prazeres que eu tinha deixado esquecidos lá em março de 2020.
Uma dessas voltas foi a Flip, agora em novembro. A minha primeira Flip depois da pandemia.
Ano passado eu sequer ensaie ir à Flip, porque estava atravessando tantas questões diferentes, insegura e esgotada entre o excesso de trabalho e a ausência de propósito. Não cheguei nem a ter aquela sensação de “nossa, queria estar lá” quando vi fotos de pessoas queridas nas ruas de Paraty. Me sentia desconectada do evento e do que ele representa.
Este ano o cenário era diferente. Entre as muitas voltas de 2023, retomei a ideia de terminar de escrever meu livro. Pensei muito no que significa, para mim, ser escritora e quais espaços fazem sentido, onde é que eu quero estar e com quem. Resolvi que tinha que ir à Flip. E quase não fui, não fosse o grupo de amigues que encontrou uma casa maravilhosa e com um valor de estadia possível.
Chegar em Paraty foi um pouco confuso. A cidade parecia a mesma, a festa literária também. Mas se eu tivesse que contar para a Taís da Flip de 2019 o que nos diferencia será que eu saberia por onde começar?
Me vi, de novo, um pouco entre tempos. Tentando calcular o que ficou e o que foi perdido. Até que se tornou incontornável só estar ali, vivendo a vida que tenho hoje.
Estar na Flip, carregar a zine com textos do meu livro novo, abraçar amigues, reencontrar tanta gente que eu gosto, comer bombons da Maga, ver a Natasha Felix se apresentar na programação oficial, encontrar a Ju e a Paula do Laboratório de Escrita Recorrente, passear pelas ruas, ouvir e ver de perto Dionne Brand e Christina Sharpe, tomar café no Montanita, viver novos perrengues e novas delícias.
Tudo isso me fez perceber que não existe um vão entre quem eu fui e quem eu sou. Ao longo desses dias, enxerguei ou inventei uma continuidade. E experimentei uma espécie de sossego, uma confiança em mim. Uma sensação de que dá para atravessar períodos de ruptura e ainda assim conseguir, eventualmente, voltar para buscar o que é meu.
Foto: Íra Barillo
Escrever em 2024
Começo o ano de 2024 mediando duas oficinas criativas pela Mulheres que Escrevem.
Nas segundas-feiras de janeiro, vou mediar junto com Estela Rosa a Oficina de leitura e escrita Mulheres que Escrevem de verão. Essa é uma oficina que nós realizamos desde 2019 e que passeia por diferentes gêneros literários, como a poesia, a prosa, o ensaio e a escrita híbrida.
É uma ótima pedida para quem quer começar o ano refrescando a criatividade! Ao longo dos quatro encontros, além de um dossiê de leituras, oferecemos exercícios para desbloquear a escrita e experimentar novos gêneros literários.
As inscrições já estão abertas e as informações completas estão no Formulário de inscrição.
Escrever a memória é uma oficina que desenvolvi a partir da minha pesquisa de doutorado na Puc-Rio. Ao longo de quatro encontros, as leituras e os exercícios de escrita dessa oficina abordam elementos como fotografias e arquivos; receitas e transmissão oral de histórias; a leitura e a escrita como produção de registros e, por fim, os testemunhos que nascem a partir do nosso próprio tempo histórico.
Essa é a segunda edição da oficina (a primeira foi um sucesso)! Você também encontra as informações completas no Formulário de inscrição.
Gostei muito do seu texto! Me tocou de um modo diferente mas parecido, isso porque foi meu primeiro ano de FLIP mas consigo fechar os olhos e imaginar diversos lugares/estados de regresso nesse sonho pós-pandemia.
Achei interessante essa percepção que compartilho de avançar em 2023 e, ao mesmo tempo, sentir estar voltando pra mim mesma!