[Alerta de gatilho: crise de ansiedade]
É difícil admitir. Mas toda vez que estou com o coração aflito, sinto vontade de ligar para o meu pai. Só para ouvir que vai ficar tudo bem.
Dessa vez, estou há alguns dias gerenciando uma crise de ansiedade. Cheguei em um momento em que consigo ter um pouco de calma. Mas eventualmente minha cabeça volta a bater nas mesmas quinas. Parece um jogo de pinball.
A ansiedade é como um circuito. Uma vez que você ativa um botão, há um trajeto a ser percorrido. Um percurso não linear. Um percurso imprevisível.
Estou com dificuldade para desligar esses botões. Choro de cansaço. Sei que preciso de ajuda, mas não sei o que posso fazer.
Ao contrário da depressão que me lança a uma imobilidade, a ansiedade me empurra.
Fica um zumbido repetindo e agora? e agora? e agora?
É urgente fazer alguma coisa, mas nenhuma escolha parece viável. Entre tudo ou nada, cada passo ganha um peso desproporcional.
Foi no meio dessa crise que escrevi para meu pai e perguntei se ele poderia me encontrar para irmos à praia.
É curioso que eu peça ajuda ao meu pai em busca de algum movimento para desligar esse circuito.
Antes que eu tivesse um nome para o que sentia, antes que tivesse inclusive idade para reconhecer meus sentimentos, eu já vinha absorvendo, feito uma esponja, a sua intranquilidade.
Não sei quando passei a conhecer como meu pai funciona. Mas sei que domino os seus mecanismos.
Apenas aprendi. Pelo modo como ele vira o pescoço. Franze a testa. Pela forma que sua boca assume um tipo de susto.
Às vezes nem precisava olhar para ele. Alguma coisa no ar mudava. A pausa entre uma palavra e outra. O excesso ou a falta de som.
O que eu sentia no meu corpo era uma extensão dos seus sentimentos.
Aprendi a premeditar o que poderia gerar desconforto. Os espaços que não eram permitidos. As pessoas que lhe causavam algum tipo de ameaça.
Calculava o que era melhor evitar. O que era cabível pedir. Como eu poderia contornar minhas expectativas de filha dentro das suas restrições sempre tão rígidas.
Sobrava pouco espaço para o que eu mesma poderia sentir.
*
Naquele dia em novembro, o meu limite do suportável era bastante baixo. Saí de casa como se fosse uma fuga. Confiei nos gestos que sei de cor: Andar até o metrô. Passar o RioCard. Esperar na plataforma. Com sorte, sentar. Esperar. Chegar na estação e encontrar meu pai para ir à praia.
Uma lista de ações é algo para se segurar.
Mas eu só fui capaz de sair da minha casa, porque meu pai me respondeu: vem que eu te encontro.
Ter o mar e meu pai à minha espera era um destino viável. Uma saída que eu poderia forjar.
*
É difícil admitir que às vezes precisamos do conforto de uma intimidade inquestionável.
Esse terreno familiar que, inevitavelmente, faz parte de nós. Essa parte que tantas vezes a gente até preferia evitar. Mas que ainda faz falta.
Como voltar ao conforto do que é familiar se esse mesmo território é a origem ainda viva de tantos traumas?
*
Enquanto eu crescia, meus pais não me deram muitas ferramentas para cuidar das minhas emoções.
Mas meu pai e minha mãe me deram o mar.
Ir à praia sempre foi o nosso lazer coletivo.
Ir à praia é o que eles faziam para descansar, descarregar as emoções, ter um pouco de paz.
Ainda na infância, descobri isso.
No mar encontro espaço para estar inteira no meu corpo.
*
Ninguém deveria precisar evitar a própria infância.
*
Quando chegamos lá, não aconteceu nada demais.
Ele não queria se molhar. Ficou na cadeira de praia.
Eu furava ondas tentando voltar para mim mesma.
Depois, me sentei ao seu lado e olhamos juntos o horizonte enquanto esperava a água do meu corpo secar.
E, de alguma forma, isso foi suficiente.
Esse texto faz parte do livro que estou escrevendo, A história das filhas. Comecei a tomar notas para esse texto em novembro de 2022, antes de assistir Aftersun. Mas foi só depois de ver o filme que me autorizei a publicar esses fragmentos.
Você pode ler outros textos que fazem parte d’A história das filhas na Totem e Pagu.
Na próxima edição da newsletter compartilho com vocês as minhas impressões sobre Aftersun.
Até logo,
Taís
Tomando fôlego. Que palavras lindas.
que lindeza :')