Como se autorizar a escrever?
Como se autorizar a escrever? Como se autorizar a ser uma autora?
Acho que essa é uma pergunta crucial para os movimentos que me levaram a idealizar a iniciativa literária Mulheres que Escrevem em 2015 e começar a me autoafirmar como escritora.
Por um bom tempo, a minha tentativa de ser escritora passou por uma busca por validação externa.
Como uma pessoa que vem de uma família de trabalhadores, sem contato com artistas ou pessoas que lecionam no ensino superior, eu cresci idealizando uma certa ideia de arte e literatura que é prescrita e legitimada por espaços de poder.
Frequentemente, eu me sentia inferior, à parte, incapaz. Tentar me encaixar nos valores desses espaços do que é Arte de verdade, Literatura de verdade, Poesia de verdade, quase sempre minava meu desejo de criar.
Parecia um esforço em vão, eu nunca seria boa o suficiente, eu passaria minha vida ansiando por essa validação.
Para mim, uma saída para essa angústia foi deixar de compactuar com uma certa lógica de legitimação, com relações de poder que determinam quem está autorizada a escrever e sobre o que se deve escrever.
Comecei a me autorizar a me afirmar como escritora quando entendi que não precisava esperar pelas validações de autoridades e de espaços de poder para escrever.
Comecei a escrever quando entendi que eu poderia recusar uma certa ideia de Literatura, uma Literatura enrijecida pelos parâmetros de um cânone que não comporta quem eu sou e quem são as minhas referências.
Quando abandonei os gênios que aspiram a eternidade forjando uma universalidade etérea, pude, enfim, escolher escrever o que eu quero, escrever para o meu tempo, para as pessoas que estão vivas agora e dispostas a me ler.
Teve uma fala da Elvira Vigna que foi crucial para que eu percebesse a existência dessa possibilidade de escrever o que eu desejo escrever e ir em busca das pessoas que podem ser, mais do que leitoras, minhas interlocutoras criativas:
Um bem simbólico, como o próprio nome diz, tem que simbolizar um momento da cultura ou do grupo ao qual você se dirige. Ou seja, se você só publica o que vende, você está publicando defunto. Você só está publicando aquilo porque, de alguma forma, aquilo já foi consumido antes. O novo não vende. Mas, de cinco anos para cá, acho que isso mudou um pouco. Começaram a aparecer editores pequenos que não pretendem vender um milhão de exemplares. Eles nem querem isso. Fazem edições muito bem cuidadas e se comunicam através de redes sociais. É aí entra, de fato, o bem simbólico atual. É um novo caminho e vejo isso com muita alegria. Acho muito mais interessante você ter uma tiragem de 200 exemplares, dar esses 200 livros para pessoas que você quer que leiam e que podem te dar um retorno sobre ele. Cria-se ali um diálogo estético e, nesse contexto, você é, sim, um sucesso absoluto. Não importa mesmo se você não saiu na Folha de S.Paulo, aliás, isso importa cada vez menos.
Essas palavras de Elvira Vigna me atentaram para uma série de perguntas decisivas: Afinal, por quem eu desejo ser lida? Quais são os meus parâmetros de sucesso? Por que eu quero publicar?
Manter essas perguntas por perto é um modo de me nortear. De encontrar formas de ouvir o que me move no meio de tanto ruído e autoexposição que são tão frequentes nos tempos em que vivemos.
Tenho buscado meios de encarar a escrita enquanto uma ação, um ofício. Um trabalho de investigar quais são os meus temas, as minhas obsessões, o que é que me leva a escrever. E, diante disso, ir atrás das pessoas que podem expandir meu repertório, investigar as escritas que podem fornecer ferramentas, estratégias, ideias para experimentar a linguagem.
Nas oficinas criativas e mentorias de escrita que ofereço tento também apresentar essa perspectiva diante da escrita. E essas experiências me fizeram construir o Laboratório Criativo - Investigando projetos de escrita, um espaço para investigar coletivamente as inquietações que nos movem em direção à escrita.
O objetivo desse laboratório é estimular a criatividade de quem tem um projeto de escrita em andamento ou guardado no bloco de notas. Mais ainda, o laboratório fornece exercícios e ferramentas para que cada pessoa tenha autonomia para entender o que a motiva a escrever, quais são seus parâmetros e objetivos com a escrita.
A 7º edição do Laboratório criativo: Investigando projetos de escrita começa no dia 26 de fevereiro e as inscrições já estão abertas (informações completas no Formulário de inscrição).
adorei isso de "interlocutoras criativas"! muito bem descrito.
Você, assim como a Aline Valek, me incentivou muito a escrever pelo próprio exercício da escrita e tem sido uma experiência incrível. Obrigada!