Eu sou uma pessoa que aprendeu a confiar no improviso.
Há um tempo adotei na minha vida a prática de aprender fazendo. Não é algo natural para mim. Eu gosto de saber onde estou pisando. Gosto de me preparar. Tenho dificuldade em não pensar a longo prazo. Ou, posso dizer de outra forma, sou boa em me precaver.
Com o tempo fui me dando conta de que nem sempre dá para se planejar. Não é que eu desmereça a importância da preparação - que está em tudo, desde a comida que a gente escolhe para o almoço até em campos mais subjetivos.
Mas entendi que toda preparação guarda uma falha. Em excesso, ela te paralisa. E mesmo em um equilíbrio, a gente nunca tá preparade pra tudo. Algumas coisas só vão se revelar enquanto você se arrisca a fazer.
O preparo não pode se sobrepor a prática, ao momento em que você, enfim, arrisca, dá um salto e começa algo.
O improviso, hoje eu penso, é também um modo particular de preparo, seja na escrita, em uma investigação, na cozinha, ou nos relacionamentos.
É muito valiosa a atenção de quem se permite fazer algo pela primeira vez sem saber exatamente o que faz. E ela pode ser ainda mais poderosa, se a gente reconhece o quão grandioso é se permitir experimentar.
O conhecimento que se faz entre erros e acertos cria um repertório que, por sua vez, ajuda a ter coragem para se lançar em novos preparos.
É através do salto que a gente adquire ferramentas.
Comecei a pensar sobre improviso, começos e repertórios quando me dei conta de que em 2024 completam seis anos em que ofereço oficinas de escrita.
Eu tenho até uma dificuldade em escolher qual é o verbo correto. Porque as oficinas são espaços que eu produzo, realizo e medio. Às vezes digo que sou professora de escrita, mas o que faço não é exatamente dar aula, porque as oficinas são encontros com uma metodologia bastante distinta de um curso, por exemplo.
Se ainda não descobri qual é o verbo mais apropriado, sei, no entanto, que hoje tenho ferramentas e repertórios para fazer e explicar o que faço. Mas, lá no início em 2018, era tudo experimentação.
Talvez nem tudo. Existia também muito preparo, leituras, participação como aluna em diferentes cursos e oficinas, as diversas atividades profissionais que realizei. Tudo isso era preparação, mas um preparo que eu, por não ser capaz de reconhecer, não conseguia me apropriar devidamente e entendia apenas como algo meio confuso.
A primeira oficina de escrita que ofereci foi dentro de um espaço de experimentação: O Laboratório da Palavra na Faculdade de Letras da UFRJ.
No fim de 2017, eu e Estela Rosa fomos convidadas pela Heloisa Buarque de Hollanda para ocupar esse espaço dentro do PACC - Polo Avançado de Cultura Contemporânea. Passamos o primeiro semestre de 2018 confabulando o que poderíamos fazer e tomando coragem até que propomos uma residência criativa que contou com a participação de diversas poetas do Rio de Janeiro e teve duração de seis meses (e depois foi estendida por mais seis meses).
Foi essencial começar a experimentar o que significa estar à frente de uma oficina criativa dentro de um laboratório. Nesse espaço eu me sentia confortável para descobrir. Eu me sentia autorizada para criar algo, ou seja, para fazer sem ter uma definição exata de cada ação e de onde eu queria chegar.
(E é importante dizer que as universidades públicas são um dos poucos espaços que ainda nos permitem esse tipo de empreendimento. E como é valioso ter tempo e estrutura para experimentar! Quantas coisas inesperadas não saem desse tipo de experiência. )
Seis anos depois me vejo em outro momento. Porém, me enxergar neste novo momento pede também um reconhecimento do que foi adquirido, ou seja, de quais ferramentas e repertórios eu fabriquei a partir de alguma preparação e de muito improviso. Pede que eu me aproprie do que foi aprendido em meio ao improviso.
Recentemente tive que me tocar que não estava mais só ensaiando algo, porque agora eu sei o que estou fazendo - ainda que trabalhar com pessoas e criatividade seja sempre estar aberta ao imprevisível (e que delícia pode ser isso).
Enfim, me liguei que vivia me sentindo em um estado de completo improviso - e consequentemente de instabilidade -, mas que já há algum tempo não era bem assim. Eu só não estava sendo justa comigo mesma ou generosa com meu percurso. Precisava tinha parar e olhar com mais calma para mim mesma e para o que venho fazendo nos últimos anos.
Reconhecer que do improviso pode ser construído algo sólido é uma virada de chave. Um salto de confiança que abre, consequentemente, a possibilidade de novos começos.
Também pensei muito sobre saltos, ferramentas e trajetórias porque o tema de janeiro no Laboratório de Escrita Recorrente é “começos”.
Para falar de começos, no nosso primeiro encontro de 2024, eu usei alguns oráculos. Levei para as pessoas participantes imagens de diferentes baralhos representando as cartas 0 O Louco e 0I O Mago.
Essas cartas contam histórias de diferentes estágios do começo. O louco é aquele que salta com só uma trouxinha de roupa nas costas, inebriado pelo impulso. O mago é quem começa mas já contando com algumas ferramentas.
Além dessas imagens, eu compartilhei alguns trechos do “Livro dos começos” da Noemi Jaffe, que pode funcionar como um oráculo, assim como o tarô, pois guarda sem uma ordem exata diferentes textos que falam só sobre o começo.
Minha ideia com esse exercício era pensar como existem diferentes formas de começar e como os começos podem representar sensações, experiências e fases particulares.
E você, que me lê, qual é o seu começo? E como é esse seu começar?
Laboratório criativo: Investigando projetos de escrita
Em fevereiro, inicio a 7º edição do Laboratório criativo Investigando projetos de escrita.
Esse é um laboratório de três encontros online em que realizamos exercícios de intenção para investigar e colocar em movimento projetos de escrita.
O laboratório se organiza da seguinte forma:
No 1º encontro, indagamos o que nos leva a escrever e como a escrita pode entrar na nossa rotina de forma recorrente. Já no 2º encontro analisamos projetos de outras pessoas que escrevem e investigamos quais são suas obsessões, quais temas e formas encontramos em suas escritas. No 3º encontro, compartilhamos os exercícios de investigação das pessoas participantes do laboratório e encaminhamos como transformar seus textos em projetos de escrita, como livros, zines e pesquisas.
A 7º edição do laboratório vai acontecer às segundas-feiras do dia 26 de fevereiro a 11 de março, das 19h às 21h.
O valor da inscrição do laboratório é R$150,00. Você pode garantir sua vaga se inscrevendo no Formulário de inscrição! As vagas são limitadas até 15 participantes no máximo.
meu começar é sempre uma mistura de necessidade da inércia com rito de passagem. sinto que preciso estar relativamente confiante em alguma meta específica para buscar outra. recomecei recentemente saindo do meu trabalho e focando na minha profissão ao mesmo tempo que iniciei uma relação com a escrita de carinho, de reencontro, de quando eu tinha tempo pra fazer isso na adolescência, mas parei na fase adulta. prometi que assim que ficasse minimamente confortável com a minha carreira iria focar nela por ser um prazer com desconforto que me faz muito feliz.
Gostoso demais perceber que quando a gente se propõe a se abrir para o novo, o "universo" se encarrega de colocar no nosso caminho pessoas, conversas, textos que dialogam com o que a gente precisa no momento. Sincronicidade incrível com meu momento por aqui. Obrigada pelo texto. Um dia ainda vou fazer as suas oficinas de escrita!