Comer com olhos e dedos
Receitas para o fim, fisgar pelo estômago e a biblioteca das comidas
Há três anos eu escrevi um relato em que o preparo de um café da manhã se tornava uma forma de elaborar o fim de uma relação amorosa. Com esse texto, entendi que podia juntar meu sol em touro com minha vênus em peixes e criar um projeto em torno de dois temas: comida e coração partido. Foi assim que escrevi a zine Receitas para o fim, publicada em setembro de 2024 pela PSSP (Publication Studio São Paulo).
Além desta publicação, o projeto comida + coração partido me abriu caminhos para uma pesquisa. Passei a colecionar poemas, livros, revistas e zines sobre alimentação.
A
uma vez disse que escrever é uma forma de prestar atenção. Para mim, o mais gostoso de um projeto de escrita é caminhar com essas ideias pelo mundo e, assim, reparar em coisas que, antes, poderiam passar despercebidas. Enquanto escrevia as minhas Receitas para o fim, investiguei também como outras pessoas escrevem, fotografam, criam a partir dessa mesma temática.Fui juntando essas referências, montando uma biblioteca das comidas até que resolvi criar uma oficina criativa para compartilhar essa pesquisa, a Fisgar pelo estômago. A ideia dessa oficina é trazer nossa atenção para o modo como ações cotidianas podem despertar sensações, memórias, histórias: há beleza e importância na ida ao mercado, no ovo mexido de toda manhã, na repetição sábia dos processos.
Durante a oficina, lemos textos de diferentes gêneros literários que aguçam nossa criatividade e inspiram exercícios de escrita. Ao fim, compartilhamos nossos preparos e as pessoas participantes levam à mesa seus próprios textos.
Ano passado, depois de lançar a Receitas para o fim, realizei uma versão online da Fisgar pelo estômago e foi sucesso! Agora, é a vez da oficina ganhar corpo em encontros presenciais no Estratégias Narrativas, no edifício Maletta em Belo Horizonte, nos dias 12 e 13 de fevereiro das 19h às 21h. O valor é R$200,00 e você pode se inscrever pelo e-mail estrategiasnarrativas@gmail.com.
Como um aquecimento para essa oficina presencial, resolvi compartilhar com as pessoas leitoras da Trajetos de Escrita algumas das publicações que fazem parte da minha biblioteca da comidas.
O cheiro do gosto
Mais do que uma publicação, O cheiro do gosto é um projeto multimídia criado por Luisa Macedo. Tive a sorte de conhecer essa publicação em uma feira de foto-livros no Sesc Quitandinha. Aqui a comida é território de avós, matriarcas, donas de quintais, protetoras de terreiros. As receitas são arquivos vivos de memória. A comida é política. Recomendo muito a visita ao site do projeto.
Diário de mesas y personas
Encontrei essa zine na feira Tijuana de 2023 e foi paixão à primeira vista. Como o título diz, trata-se de um diário com fotos de mesas postas e breves anotações sobre esses momentos. “Acordo comigo”, um dos primeiros textos que publiquei nessa newsletter, fala sobre como preparar a mesa do café da manhã se tornou um ritual para começar meus dias. Essa foi uma prática que levei muito a sério naquele ano e ainda faz parte da minha rotina, então, quando abri o diário de M. Virginia Molinari e vi que a legenda da primeira foto era “Almuerzo comigo” tive certeza de que era destino, precisava levar esse diário para casa.
Caderno de Receitas de Artistas
Um dos meus mais recentes achados, essa revista produzida pela cidade floresta com edição de Maíra Marques, Thais Medeiros e Ynaiê Dawson traz em artigos e entrevistas produções de pessoas artistas e pesquisadoras que se voltam para as culturas alimentares. Além da edição ser muito caprichada e bonita, as referências me levaram a aprofundar ainda mais as diferentes conexões teóricas, criativas e experimentais promovidas por alimentos, nutrição e cultivos.
Um pé na cozinha
Já comentei sobre o livro de Taís Sant’Anna Machado nas minhas indicações de leituras de 2024, mas não podia deixar de fora dessa lista também. Essa pesquisa é fundamental para pensar o quanto a cozinha no território brasileiro é um lugar de disputa, onde mulheres negras são coagidas por discursos e práticas opressoras, ao mesmo tempo em que fabricam entre seus preparos brechas de imaginação e fuga, alimentando assim futuros de liberdade.
Além dessas publicações físicas da minha biblioteca de comidas, quero recomendar algumas newsletters que amo devorar:
O jornalzinho da
que compartilha processos, memórias e receitas com delicadeza e frescorAs deliciosas histórias para ler na cozinha da
Esse conto delicioso da
E uma cozinha toda sua da
, um texto que me emocionou demais
Espero que vocês tenham gostado dessa edição! Nos últimos dias, decidi que em 2025 essa será uma newsletter para compartilhar leituras.
Aproveito para contar que além da oficina Fisgar pelo estômago, vou participar do Sarau estratégico na sexta-feira dia 15/02 e do Concha, espaço de escuta do Estratégias Narrativas no sábado 16/02. As informações sobre a oficina e os eventos estão no perfil do Estratégias Narrativas! Tô torcendo para encontrar pessoas leitoras da Trajetos de Escrita por Beagá 💕
E, por fim, deixo um videozinho que criei para mostrar a beleza das publicações que comentei aqui:
Leia mais:
Eu acordo comigo
Esses dias estava lembrando do poema da Angélica Freitas em que ela repete uma série de vezes a frase “eu durmo comigo”. E fiquei me perguntando sobre o que significa, nesse momento da minha vida, dormir e acordar comigo mesma.
Olá, Taís. quero muito que essa oficina venha para São Paulo. Quero estar nela com você. Acredito piamente que Literatura e Culinária sejam artes ancestrais, que funcionam maravilhosamente bem juntas. E por falar em livros que nos levam para a cozinha e nossa memória afetiva por meio de receitas, lancei no ano passado "Contos para Soborear" (Editora Patuá). Estou muito feliz com a trajetória dele, que este ano foi finalista do Prêmio Literário LOBA. Em cada conto surge, às vezes com força, outras de forma sutil, pratos que serão decisivos em cada arco dramático. E, ao final do livro, conto a história da receita e a publico. Como somos veganas em casa, são duas receitas para cada conto - a vegana e não vegana. Adoraria que você conhecesse o meu Contos para Saborear. Me diga se quer recebê-lo. Beijos
Torcendo pra rolar essa oficina de forma virtual também! Ou que tenha presencial no Recife hehe