Sentada em uma mesa de concreto ao ar livre, escuto o rio correr e sinto que só agora comecei a fazer parte desse espaço.
Dia desses apareceu no meu feed algo sobre o tempo. Era mais um desses post sobre relacionamentos românticos, mas olhei por outro lado.
O tempo é um elemento essencial em uma equação que busca como resultado o vínculo.
Posso ser mais direta: para criar vínculo é importante dedicar presença e tempo.
Fico me perguntando porque sempre passei batida por esse lugar. Correndo, afobada.
Às vezes não era nem a falta de tempo. Era mais uma impossibilidade minha. Uma barreira. Eu não podia gastar meu tempo ali. Existiam outras prioridades.
Verdade não deixa de ser. Mas desde quando o tempo e o desejo se organizam de forma tão disciplinada?
Gastar o tempo sem ver é o que a gente mais faz (é só baixar um aplicativo para calcular quanto tempo de tela você perde em um dia).
Então por que? Qual era a dificuldade em me dar tempo?
Não muito tempo, só uns cinco minutinhos, sentada, tomando um café, ali, em silêncio, sem fazer mais nada além de olhar a paisagem.
Muitas vezes a gente diz “espaço” para se referir a uma questão de tempo. Porque um espaço pode ser uma distância, um intervalo, um lapso de tempo. Dar um tempo às vezes é ganhar espaço.
Mas nem sempre tempo e espaço são equivalentes. Por exemplo, naquela equação que resulta em vínculo, o espaço requer tempo. É preciso uma coexistência. Como Gil diz melhor que ninguém, aqui e agora.
Durante o último ano, entendi que precisava ganhar espaço. Ocupar um espaço que fosse só meu.
O que significava dizer não para tantas coisas que pediam meu cuidado ou atenção, ou seja, dar um tempo.
Abrir espaço para mim era (e ainda é) um exercício custoso. Como quem pouco a pouco vai alongando até onde o corpo consegue alcançar.
Mas me ter como eixo, como motor de minhas escolhas, é uma tentativa na base de muita atenção e insistência.
Nessa tentativa de conviver comigo, criei um lugar de aconchego com minha solidão e veio, então, uma fome por tempo.
Um tempo que eu não conseguia me dar.
Uma coisa era priorizar tempo para minhas tarefas - em detrimento de um tempo que eu poderia dedicar à outras relações, por exemplo. Mas esse tempo teria um destino contado. O tempo de manter uma casa limpa, trabalhar, ganhar dinheiro, correr atrás de mais trabalho, me preocupar, ler as leituras obrigatórias, escrever o que preciso publicar.
Não era desse tempo produtivo e calculado em uma performance (para os outros) de adulta funcional que eu sentia fome.
Era outro tempo. O tempo sem medida de quando se está dentro d’ água. O tempo que no relógio pode nem ser tanto mas para o qual você se entrega sem ter hora para acabar. O tempo que passa sem deixar restos. O tempo para escrever ou criar algo que ninguém vai ver ou vai demorar muito tempo até se tornar algo para ser visto. O tempo que ninguém além de mim pode viver ou testemunhar.
Tempo que pode ser o da escrita ou de todas as invenções. A criatividade cortando a rota das demandas do dia com a aparição de uma ideia.
Tempo que desestabiliza a manutenção sem fim da rotina e num lampejo, como um passe de mágica, faz com que você se reconheça, viva, sozinha, dentro do limite de um corpo, cheia de desejo.
Curso Para escrever
Sou uma das professoras do Para Escrever, um projeto idealizado e coordenado pela Lilian Sais que vai oferecer ao longo dos próximos meses 11 módulos de cursos livres, além de mentoria e acompanhamento de projetos.
Vou oferecer o módulo Escrever a Infância, em setembro, e você pode ler a ementa completa aqui! Esse curso nasce a partir das minhas pesquisas no doutorado e também do livro que estive escrevendo nos últimos anos (e em breve venho contar novidades sobre isso também).
O projeto está incrível e tem um time de profissionais da maior excelência - estou achando um luxo e uma honra estar ao lado de tantas pessoas que admiro. Vale muito a pena conhecer e se inscrever para passar um ano inteiro escrevendo!
Um respiro esse tempo de leitura!
como é que pode a gente se desdobrar para encontrar tempo para tudo, menos para a gente?