às vezes me pego pensando em meu irmão que não tive que tive mas não cheguei a conhecer penso em meu pai sozinho se endividando para pagar as contas da internação penso em minha mãe sozinha em um quarto de hospital sem saber o que iria acontecer penso em mim sozinha comemorando meu aniversário na minha festa de três anos não há imagens dos meus pais só uma imagem minha com uniforme da escola sorrindo em frente a uma mesa decorada agora penso que se meu irmão estivesse vivo compartilharíamos o mesmo signo e o mesmo cabelo muito preto não sei se eu sabia do que estava acontecendo mas confio que era capaz de pressentir pelas ausências pelos cochichos muito nova aprendi a ler o que não se diz minha mãe costuma contar que meu avô me pediu para ficar quietinha não perguntar nada sobre meu irmão eu não lembro mas sei que obedeci não disse nada quando meu irmão não veio quando minha mãe e meu pai voltaram sozinhos eu me tornei também mais só em nossa casa a única filha e testemunha
Amanhã, 1º de maio, é meu aniversário. Essa é uma data há tempos conflituosa para mim.
Desde pequena sinto aniversários com alguma tristeza e solidão. Tem pouco tempo que entendi como essa data é próxima ao marco de um luto silenciado em minha família. Até hoje não falamos muito sobre meu irmão Iago, que nasceu no mesmo dia que minha mãe e quatro dias antes de mim.
Quando me dei conta disso, ficou um pouco mais fácil atravessar o 1º de maio, celebrar que estou viva e, ainda assim, deixar espaço para tristeza, caso ela venha.
Me permito essa vulnerabilidade porque encontrei formas de me amparar, ferramentas que eu não tive enquanto fui criança, além de pessoas que amo e fazem com que eu me sinta amada também.
Na última newsletter contei sobre como escrever meu novo livro Expansão Marítima me transformou.
Uma das mudanças foi ter um pouco menos de medo dos meus sentimentos, das minhas sombras. Me reconhecer fera e selvagem, sem tentar ou querer podar nem uma parte de quem eu sou.
Não tentar me diminuir para caber é uma meta de vida.
De alguma forma, entre contar a história do meu pai e a minha, encontrei uma ambiguidade em que felicidade e tristeza podem coincidir, entre outras supostas oposições binárias.
Hoje convivo melhor com meu pai, com a versão dele que existe em mim e, em consequência, comigo mesma. Esse é um ganho incalculável.
Nesta semana em que completo 34 anos me sinto segurando a minha felicidade e também alguma solidão, o vazio que é só meu e do qual não quero abrir mão, essa falha por onde a luz entra e inspira movimento e desejo entre perdas, lutos e sombras.
Celebro meus anos de vida até aqui como quem acaba de assentar uma casa confortável para si e pede que esse seja só o começo.
Expansão Marítima em pré-venda
Meu novo livro está em pré-venda pela Edições Macondo! Comprando na pré-venda, além de garantir seu exemplar com desconto, você também recebe uma plaquete exclusiva sobre o processo de escrever o Expansão Marítima.
(Comprando o livro, você tem a chance de me fazer feliz no meu aniversário e ainda ser você quem leva o presente, olha só!)
Deixo aqui a sinopse do livro para quem ficou com vontade de conhecer mais:
Na década de sessenta, como muitas outras famílias brasileiras nesse período, o jovem Edmilson se muda de Irará, município da Área de Expansão Metropolitana de Feira de Santana, no estado da Bahia, para o Rio de Janeiro. É nesse novo espaço que passa a se chamar Valmir, seu nome de registro. Expansão Marítima, de Taís Bravo, é um livro que se constrói a partir e por conta desse deslocamento do pai da autora, o mesmo que, ainda criança, ao olhar o mar de Copacabana com o patrão de sua mãe, descobre que o mundo se organiza entre aqueles que podem e aqueles que não podem mergulhar no mar. Entre aqueles que nunca terão nada e aqueles que podem se dar descanso. E é entre esses dois polos que se apresenta uma inquietação maior: a tentativa de montar a história de ser filha.
Na busca pela genealogia de seu pai e de sua família, Taís Bravo constrói uma narrativa fragmentada de sua própria construção como pessoa, sujeito sempre em relação, com seu pai, com sua cidade, com a história e com os cômodos das casas por onde passou. Ao investigar a vida de Edmilson, sua própria história, e o arcabouço sanguíneo que os liga, como também liga sua mãe e sua avó, a autora nos apresenta uma obra ao mesmo tempo irônica, inteligente e sensível, em que textos em prosa e em verso dialogam, como ela bem aponta, com a carta de tarô da Força. Como na carta, vemos uma mulher que se debruça inteiramente sobre a mandíbula de sua dupla e investiga o que a fera tem a dizer. É nesse lugar, percebendo que a fera pode ser tanto o pai quanto ela mesma, que entendemos que Expansão Marítima é a tentativa de contar a história de uma filha e a de seu pai a partir da perspectiva de alguém que deseja se tornar algo além de filha.
só consigo imaginar como deve ter sido (e ainda é) elaborar um luto como este. e você conseguiu canalizá-lo em um poema tão bonito... e, já me antecipando, parabéns pelo aniversário! =)
que poema mais lindo <3